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sábado, 29 de maio de 2010

LABORATÓRIO TEATRAL - Isto é Nescessário? I Parte

2 – Um estudo de caso: Laboratório Experimental A interpretação melodramática nos circos-teatros

2.1 – As fontes primárias do laboratório

De posse de um rico universo de fontes relacionadas ao período em estudo, foi realizada uma primeira seleção do material, com foco na atuação dos personagens-tipo melodramáticos.

No entanto, para que os alunos/pesquisadores tivessem a oportunidade de se apropriar da linguagem e para que se pudesse ter uma leitura mais vertical, optou-se pela escolha de uma única cena a ser trabalhada ao longo do período. Para que os personagens-tipo melodramáticos pudessem ser investigados em sua plenitude, estabeleceu-se, como um dos critérios principais para a seleção da cena, o lugar que os seguintes papéis ocupam: o vilão, os apaixonados (galã e ingênua), o pai nobre, a dama-galã e os personagens cômicos.

Seqüência do tapa que o vilão dá no mocinho. Registro do 6o Encontro do I Laboratório experimental A interpretação melodramática nos circos-teatros brasileiros. UFU/Uberlândia, 2003, em 23/05/03

Na foto: Maria De Maria, Ana Carla Machado, Fernando Prado e Rodrigo Rosado.

(Foto: Brunno Ribeiro).

Os papéis ficam bastante evidentes: na primeira cena, o vilão agride o mocinho; na segunda, a mãe e o servo vão ampará-lo. Na foto: Marcelo Briotto, Maria De Maria, Fernando Prado, Ana Carla Machado e Rodrigo Rosado.

(Foto: Brunno Ribeiro).

A apresentação dos papéis em seu estado mais patético permitiria investigar como trabalhar a cena melodramática sem ironizar a linguagem. Foi escolhida, então, uma cena de Três almas para Deus (1979), de Aldny Faia. A próxima etapa do planejamento consistiu em definir de que maneira ela seria trabalhada.

2.2 – Suporte bibliográfico

É importante delimitar, para o domínio bibliográfico, quais textos serviriam de estímulo para as reflexões e para a própria atuação. Na medida em que o espaço do laboratório constituiu etapa de uma investigação maior (o exemplo que estamos averiguando foi realizado no interior de um projeto de tese), foi fundamental que a articulação entre prática teórica e prática cênica fosse de domínio de todos os participantes do processo.

Um dos objetivos do laboratório era exercitar o modo de interpretação melodramático, tendo como referência aspectos concretos que influenciaram o trabalho atorial, tais como sobrevivência, aspectos sociais, paradigmas estéticos. Para tanto, foram selecionadas algumas obras que nos deram pistas do universo circense-teatral e do conceito de modo de atuar: Vargas (1981), Sussekind (1993), Duarte (1995), Prado (1995), Silva (1996) e Rabetti (1999). Trechos significativos dessas obras foram propostos para leitura e discussão, alimentando as questões relativas à investigação prática. Em determinado momento, por exemplo, era importante trazer à tona a discussão sobre conceitos como tipo, estereótipo e papel, na medida em que os personagens que vinham sendo trabalhados estavam previamente articulados com determinadas características. Antes de pensar na construção de “Mirna” ou de “Camargo”, o ator deveria compreender que tais personagens se enquadram no papel de ingênua e vilão (respectivamente), e que demandam determinada postura em cena.

2.3 – Objetivos

Com base na questão a ser investigada e tendo o suporte bibliográfico definido, faz-se importante pensar sobre o caminho a ser percorrido, para que se pudessem atingir os objetivos pretendidos. O cronograma foi proposto mantendo-se dois eixos de percepção, um vertical e outro horizontal, ou seja, ao mesmo tempo em que se estruturaram os encontros com objetivos específicos, foi fundamental que se mantivesse o tempo todo a visão global das metas a atingir, tendo como norte o objetivo geral da proposta.

Para melhor visualização, pode ser interessante cotejar as duas propostas de laboratório que foram realizadas no mesmo projeto de tese:


I Laboratório experimental

A interpretação melodramática nos circos-teatros brasileiros (UFU/Uberlândia, 2003.1)

II Laboratório

experimental

A interpretação melodramática nos circos-teatros brasileiros: um estudo do papel do tolo (UNIRIO/ Rio de Janeiro, 2004.2)3

Objetivo

Investigar a potencialidade da parte séria do melodrama como possibilidade cênica atual

Pesquisar as partes originalmente cômicas no melodrama: o papel do niais ou tolo

Etapas

– leitura branca da cena para um primeiro contato e identificação de elementos definidores da linguagem no próprio texto

– construção de um breve repertório pessoal de gestos cômicos por meio de exercícios de exagero

– primeira atuação com a presença do ponto, sem a intenção de construção do papel

– trabalho com cenas de palhaço do circo tradicional para contato com o universo

– atuação com base na visão individual das características do papel, exagerando-se nas tintas melodramáticas

– trabalho com duas cenas: uma em que o tolo se relaciona com outros personagens cômicos e outra em que contracena com a dama-galã e a ingênua

– contato com o áudio da cena e incorporação das influências desta experiência no trabalho

- contato com o áudio da cena e incorporação das influências desta experiência no trabalho

– apresentação da cena para público

– trabalho com as cenas, abrindo-se espaços para improvisação, buscando-se a incorporação dos exercícios trabalhados

É importante destacar que cada etapa gerou uma série de reflexões e demandou determinados ajustes. No entanto, manteve-se constantemente a atenção no objetivo maior de investigação do projeto. O fato de se estar trabalhando com artistas-pesquisadores fez com que o próprio trabalho gerasse momentos de sedução em torno de descobertas de potencialidade cênica, que podiam acarretar desvios. Em ambos laboratórios os alunos expressaram o desejo de montar as peças que estavam sendo trabalhadas. Nesses momentos, o planejamento impôs-se e ocupou papel norteador.


2.4 – Registros: produção de fontes primárias

Como etapa privilegiada da pesquisa, ao articular a investigação à cena, o laboratório caracterizou-se como espaço gerador de fontes primárias. O planejamento das formas de registro dos encontros laboratoriais esteve, portanto, articulado ao projeto de pesquisa. Operaram-se aí escolhas que levaram em conta, ao mesmo tempo, as possibilidades estruturais e a dimensão de interferência que as formas de registro acarretaram para o andamento do projeto.

Um primeiro registro deve ser o relato da experiência, com base nos resultados obtidos em função do planejamento. Para nossa experiência, optamos por seguir modelo elaborado pela professora Elza de Andrade, em conjunto com a professora orientadora Beti Rabetti, na realização de seu Laboratório experimental Portas fechadas e bocas caladas: tipologias ligeiras do feminino (UNIRIO, 2003):

LABORATÓRIO EXPERIMENTAL

Portas fechadas e bocas caladas: tipologias ligeiras do feminino

Data

Alunos presentes

Alunos ausentes

Objetivos do encontro

Material teórico apresentado

Exercícios propostos

Comentários sobre os exercícios

Avaliação do objetivo

Observações finais

Formas de registro

aluno/pesquisador responsável

Vídeo ( )

Fotografia ( )

Essa planilha proporcionou movimento constante de reavaliação do percurso estabelecido, além do registro da relação entre o que foi proposto e o que foi alcançado. Sua utilização, no entanto, torna-se muito mais eficaz se o pesquisador tiver como suporte a presença de um dramaturg. O olhar de outro pesquisador qualificado minimiza a preocupação em relação à dupla função de condução do trabalho e registro constante de questões significativas para a pesquisa. Também aqui o planejamento detalhado do percurso atuou de modo significativo, pois permitiu que o dramaturg afinasse sua percepção com o objetivo primeiro do trabalho.

Além da possibilidade de diálogo com outro olhar especializado, a figura do dramaturg em processo laboratorial colabora também com o registro de imagens, atividade que requer conhecimento prévio dos objetivos do encontro, além, evidentemente, do domínio global da pesquisa, pois tais documentos passam a configurar-se como fontes primárias do trabalho. É, portanto, necessário um planejamento desse processo, para que tal material, coletado em função da investigação, traga dados importantes às reflexões. Aspectos como gestualidade, expressão facial e foco, podem apresentar-se mais nítidos a partir dessas imagens.

No laboratório que estamos analisando, o processo de registro em vídeo se deu no final de cada etapa. Trabalhava-se a cena e, ao chegar a um momento de domínio dos atores, passava-se a cena uma última vez, gravando-a. Essa opção pode parecer espelhar o conceito de produto acabado, isto é, de que o importante para a pesquisa seria o produto final – conceito que se poderia configurar paradoxal em relação ao discurso que sustenta a perspectiva investigativa dos laboratórios, compreendidos como etapa do processo. Mas é preciso considerar que, no caso dessa proposta, a visualização do percurso – em que se registram acertos e erros – dá-se de forma horizontal, ou seja, registrando-se os diversos momentos para cumprir tinham o objetivo maior, de investigar a potencialidade séria do melodrama.

2.5 – Estrutura dos encontros: consciência do percurso

O primeiro encontro teve como objetivo esclarecer, para todos os pesquisadores, a dimensão do trabalho em desenvolvimento, o conceito dos Laboratórios Experimentais e o papel que ocupam no interior da pesquisa. Tal como previa o plano de trabalho do Laboratório:

O desenvolvimento do Laboratório Experimental Interpretação melodramática nos circos-teatros brasileiros traduz-se em conjunto de atividades vinculadas a:

– Instâncias experimentais da pesquisa teórico-prática do Projeto Integrado Um estudo sobre o cômico: o teatro popular no Brasil entre ritos e festas;

– o caráter teórico-prático do projeto de pesquisa de doutorado Um estudo sobre o modo melodramático de interpretar: o circo-teatro no Brasil nas décadas de 1970 e 1980;

– perspectivas pedagógicas, de formação atorial, de ambos projetos.

(Proposta do Laboratório Experimental interpretação melodramática nos circos-teatros brasileiros, UFU, Uberlândia/ MG, 2003.1).

Dividiam-se esses encontros, basicamente, em duas etapas: uma teórica, em que eram discutidos textos propostos em função dos objetivos, e outra, de caráter prático, por meio de aquecimentos, exercícios e trabalho com a cena.

Vale abrir um parêntese e ressaltar que, a essa estrutura, foi acrescido, no segundo laboratório, um espaço para discussão e entendimento dos procedimentos, a cada encontro. Evidentemente, foram realizadas discussões sobre os exercícios práticos no primeiro, mas não de forma tão sistematizada quanto no segundo, em que havia um olhar muito mais cuidadoso em relação aos aspectos pedagógicos da investigação. Todos os pesquisadores apontavam detalhes que desejavam destacar e que eram registrados na planilha, servindo para que o próprio grupo tivesse consciência do percurso em realização. No final do processo, foi solicitado um breve relatório contendo impressões acerca dos resultados com base nos objetivos propostos.

Isso se deve a uma revisão do próprio percurso inicialmente traçado para a pesquisa, pois, do primeiro laboratório para o segundo houve um avanço da percepção da potencialidade pedagógica dos laboratórios. As reflexões engendradas pela primeira experiência influenciaram a própria estruturação da segunda.

2.6 – As reflexões: o memorial analítico

Paralelamente ao processo de planejamento, execução e análise dos laboratórios, conforme previsto, o domínio bibliográfico amadureceu. O rigoroso planejamento dos trabalhos – que abrigou o pressuposto de que a prática implicaria em ajustes – e de seu registro fez com que o material a analisado fosse organizado e alimentasse a elaboração de um Memorial analítico dos laboratórios. No processo de elaboração do memorial analítico, afloraram, por exemplo, questões que puderam dialogar com a própria investigação teórica do trabalho. Como a percepção que se teve, no primeiro laboratório, de que a interpretação melodramática não estava unicamente assentada em códigos não verossímeis, mas comporta determinado grau de interpretação considerada realista, baseada na “verdade cênica”.4

Cena de morte melodramática. Verdade cênica e exagero presentes na atuação. Melodrama da meia-noite, (Curso de Teatro, UFU, Uberlândia/MG), em 17/10/08. Ver nota 09. Em cena: Juliana Prados e Wesley Mello.

(Foto: Rebeca Maciel).

Cena de revelação. Verdade cênica e exagero presentes na atuação.

Melodrama da meia-noite, (Curso de Teatro, UFU, Uberlândia/MG), em 17/10/08. Ver nota 09. Em cena: Ronan Vaz, Welerson Freitas, Samuel Santana, Priscila Bello, Wesley Mello e Amanda Vieira.

(Foto: Rebeca Maciel).

Como as fontes que engendraram o Laboratório estavam ligadas à experiência melodramática dos circos-teatros, a compreensão desta medida de verdade cênica pelos atores tornou-se bem mais nítida após o contato com a gravação em áudio de uma apresentação da cena que estava sendo trabalhada (Três almas para Deus, de Aldny Faia, Circo Carlito, São Paulo, 1976). O áudio, ao evidenciar a entrega emocional e a capacidade dos atores de circo em emprestar fé cênica ao que estavam fazendo, serviu para estimular os atores do laboratório a se arriscar mais no universo melodramático. Para atingir tal estado, é impossível que se mantenha algum grau de crítica e desconfiança ao trabalho. O áudio ajudou, portanto, a diminuir essas barreiras trazidas inevitavelmente pelos atores e a fazer com que passassem a acreditar na possibilidade de atingir momentos de envolvimento do público nas partes sérias da história, mesmo com todo o estranhamento que a linguagem melodramática pudesse proporcionar. Tal visão, reforçada após esse exercício de audição da gravação da cena que estava sendo trabalhada, espelha o percurso que pode ser observável no próprio melodrama francês.5

Essa perspectiva, que se abriu a partir dos laboratórios, influenciou a própria proposta primeira de investigação do melodrama como linguagem cênica atual. É importante frisar que foram as discussões sobre os processos laboratoriais que fizeram aflorar uma questão extremamente significativa e que passou a nortear o olhar que movia a pesquisa: a possibilidade de utilização do melodrama como ferramenta pedagógica na formação do ator.

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